O trabalho infantil e a violência contra idosos, embora à primeira vista pareçam temas distintos, compartilham uma mesma raiz: a falta de cuidado e de efetividade por parte dos órgãos públicos. Quando pensamos na palavra “cuidado”, geralmente associamos ao ambiente familiar. No entanto, em situações que envolvem crianças e idosos, o cuidado deve ser entendido como uma responsabilidade conjunta, que inclui, de forma essencial, a atuação do Estado no dever de proteger, acolher e garantir uma sociedade mais justa e segura para esses grupos.
Trabalho infantil ainda atinge 1,6 milhão de crianças no Brasil
Segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 1,6 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos estavam em situação de trabalho infantil no Brasil. Deste total, 586 mil estavam nas piores formas de trabalho, como trabalho doméstico exaustivo, atividades nas ruas, exploração sexual, tráfico de drogas e outras atividades de risco.
Embora tenha ocorrido uma redução de 14,6% em relação a 2022, esse número ainda é alarmante. As regiões Norte e Nordeste historicamente concentram os maiores índices, especialmente em áreas rurais, ligadas à agricultura e atividades informais.
As razões pelas quais crianças ainda são submetidas ao trabalho são muitas, mas a principal delas é a pobreza e desigualdade social, já que muitas famílias recorrem ao trabalho infantil para complementar a renda. Além disso, existe a questão da educação: a falta de falta de acesso a escolas em áreas remotas e a necessidade de trabalhar levam à evasão escolar.
A vice-prefeita Aline do Áureo, de Duque de Caxias (RJ), destacou a importância de garantir os direitos das crianças. “Lugar de criança não é no trabalho. Lugar de criança é na escola, com acesso a uma educação de qualidade, é brincando, construindo laços afetivos e boas memórias com a família”, enfatiza. No município, a Prefeitura desenvolve ações preventivas por meio do Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil). A iniciativa oferece apoio financeiro às famílias, assistência social e atividades educativas para crianças e adolescentes em situação de trabalho.
Violência contra idosos cresce e segue invisibilizada
Entre 2020 e 2023, o Brasil registrou 408.395 denúncias de violência contra pessoas idosas, segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Somente em 2023, houve um aumento de 50 mil casos em comparação ao ano anterior. A maioria das agressões ocorre dentro do ambiente familiar, que concentra 71,5% das denúncias. As principais vítimas são mulheres, que representam 70% dos casos, especialmente aquelas com mais de 80 anos.
As formas de violência mais recorrentes em 2023 foram negligência (87,6%), violência psicológica (84,8%), violência patrimonial (76,7%) e violência física (75,4%). A Região Sudeste lidera em número de denúncias, com 53% do total, seguida pela Região Nordeste, com 19,9%. Essa distribuição acompanha a maior concentração de idosos nessas regiões.
A médica Cristiane Pina, liderança política de Senador Canedo, também comentou sobre a violência contra a pessoa idosa, destacando a responsabilidade coletiva diante do problema. “A violência contra a pessoa idosa não é somente um problema familiar, é um alerta de que estamos falhando enquanto sociedade. Enquanto estive no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa e hoje como médica, vejo de perto sinais do abandono, como desnutrição, solidão, depressão, sinais visíveis de violência física, psicológica e muitos desses sinais, poderiam ter sido evitados com a Política Nacional de Cuidados.”
O que a violência contra criança e aos idosos têm em comum
Dados recentes revelam um cenário alarmante de violações de direitos humanos e fragilidade nas políticas públicas de proteção, somadas à desigualdade social.
Segundo o DataSUS (2023), 60% das crianças vítimas de violência têm entre 0 e 9 anos e vivem em famílias de baixa renda. Já entre os idosos, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que quase 70% vivem com até dois salários mínimos.
A cultura da violação de direitos humanos também se manifesta de forma preocupante dentro de lares e comunidades. Em 2023, o Brasil registrou mais de 230 mil denúncias de violações de direitos humanos, de acordo com o Ministério dos Direitos Humanos. Somente o Disque 100 recebeu mais de 180 mil denúncias de violência contra crianças e adolescentes. A violência contra idosos também se destaca: foram mais de 50 mil denúncias, a maioria relacionada à negligência, maus-tratos e abandono.
Além da violência, a insuficiência de políticas públicas agrava o cenário. Entre 2014 e 2023, o orçamento destinado à assistência social sofreu uma redução de 34%, segundo levantamento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). A falta de estrutura também é evidente: apenas 4,6% dos municípios brasileiros contam com centros especializados para atendimento à pessoa idosa (IBGE, 2022), e a quantidade de conselhos tutelares ainda é insuficiente para atender a demanda, com muitos municípios dispondo de apenas uma unidade para milhares de crianças (CNMP, 2023).
Proteger crianças, adolescentes e idosos não é apenas de dentro de casa, mas sim, um dever coletivo. É necessário fortalecer políticas públicas, ampliar programas sociais, investir em educação de qualidade, promover campanhas de conscientização, pontos que já estão em discussão no Plano Nacional de Cuidados, batizado de “Brasil que Cuida”, que colocará em prática a Política Nacional de Cuidados.
Denuncie: Canais como o Disque 100 são necessários para romper o ciclo de silêncio e impunidade.