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Semana do Meio Ambiente: Todos deveriam ser ambientalistas
Flavio Nogueira

Flavio Nogueira

Mestre em direito e políticas públicas e diretor técnico da Fundação 1º de Maio

Uma reflexão sobre a necessidade de informação e educação ambiental no Brasil

INTRODUÇÃO

Ultimamente, em várias conversas e reuniões, algumas pessoas tem se referido a mim como ambientalista. No início eu me sentia feliz, pensando que isso significava algo bom, sobre fazer a diferença, ser importante. Mas será que era essa a intenção dessas pessoas?

Ao ser convidado para falar e escrever sobre meio ambiente em comemoração a sua semana, fiquei em dúvida em trazer a reflexão temas como crédito de carbono, resíduos sólidos, mudanças climáticas, alterações legislativas no estudo de impacto ambiental, dentre outros temas relevantes para a natureza. Optei por trazer pontos que a sociedade brasileira consideram como importantes e os problemas atuais do Brasil. Iniciei com pessoas ao meu redor e uma análise das redes sociais e de matérias na internet.

Apesar de estarmos na década de 20 do Século XXI, muitas das discursões sobre proteção ambiental no Brasil ainda me parecem do início do surgimento desse tema, que já deveriam ter sido superadas.

O que o brasileiro pensa sobre meio ambiente? Visto que a abordagem do tema ultimamente não tem sido muito boa, principalmente pelos rótulos colocados a quem defende o meio ambiente com maior grau de intensidade, que por vezes são até chamados de “ecochatos”. Percebi que hoje as redes sociais prestam mais atenção no que poderia existir por trás de cada ato realizado por partido B ou C, do que no ato em si. Politizaram um tema e esqueceram do simples, da proteção à vida e à natureza.

Há poucos dias comecei a provocar debates em alguns grupos de redes sociais (amigos, colegas de trabalho, ambientalistas, família) para observar as reações das pessoas.

Questões como operações que investigam servidores públicos e até o atual Ministro do Meio Ambiente. Como é possível que nessa época de selos ecológicos, controle de origem de mercadoria, outros modelos de manejos e práticas de consumo sustentáveis ainda encontramos pessoas que aceitam a exportação de madeira ilegal da Floresta Amazônica, além de acreditarem que tal fato não prejudica a economia do país.

Ante a redução de destinação de recursos financeiros por parte do atual governo brasileiro, o que também ocorreu nos governos anteriores, defendo como alternativa a utilização de verbas externas de países interessados para a manutenção das unidades de conservação e outras questões necessárias à proteção da Natureza.

Há críticas por todos os lados. Percebi que muitos entendem que a proteção e a conservação do meio ambiente seria uma ideologia, um ideal a ser seguido apenas por uma parcela da população. Alguns entendem que países europeus que investem no Brasil estariam tentando se apropriar da Amazônia. Outros ainda apoiam as atitudes do governo atual que levaram a alteração legislativa que flexibilizou a utilização das licenças ambientais.

É triste constatar que a falta de educação e informações sobre temas como meio ambiente, proteção ambiental e desenvolvimento sustentável tem causado um retrocesso em nossa sociedade. Quando se fala em proteção ao meio ambiente, o tema é encarado como uma ideologia defendida apenas por alguns grupos políticos.

Pergunto-lhes: Como é possível que nos dias atuais a defesa do meio ambiente ser vista com uma opção? Será que a maioria das pessoas não compreende o impacto que as questões ambientais podem trazer para a vida de cada um e também para o Planeta?

É sabido que o Brasil e o mundo vem enfrentando em 2020 e 2021 uma pandemia. Um problema causado por um vírus. A COVID-19 pode ter vindo de um animal silvestre e começado a atacar o ser humano, faz parte da natureza.

Será que mesmo assim, nessa situação atual, ainda é tão difícil perceber que os seres humanos são parte da natureza como todos os outros seres vivos, que tem as mesmas necessidades? “Nós somos natureza e só vivemos porque convivemos com outros seres humanos” (DERANI, 2021). Se vivemos é porque bebemos água e nos alimentamos com elementos extraídos da Natureza. Mas os recursos do Planeta são escassos, se não cuidarmos, poderá faltar, há um limite planetário, por isso não há outra alternativa se não proteger o Meio Ambiente.

Na Semana do Meio Ambiente, poucas pessoas sabem, por exemplo, porque o dia 05 de junho é considerado o dia mundial do meio ambiente. A palavra meio ambiente é bastante repetida nos dias atuais e está na boca de muitos brasileiros, mas será que ele compreende o porquê? Quais fatores históricos levaram esse tema ser discutido? Será que estamos retrocedendo ou avançando nessa discursão? Será que os brasileiros não compreendem isso por falta de uma política de educação e informação mais eficiente?

Diante dessas questões é necessária uma reflexão sobre como surgiu essa discussão sobre proteção ambiental e porque é tão preocupante, apesar dos avanços na legislação brasileira, o brasileiro parecer tão mal informado e não valorizar o meio ambiente como deveria.

O medo da extinção e a consciência ecológica

A discussão sobre o meio ambiente somente passou a ser feita pelas sociedades e políticos em escala global, quando constatou-se que a existência do ser humano estava em jogo. Sem desprezar outros momentos históricos anteriores, mas de menor amplitude no mundo ocidental, pode-se dizer que o surgimento da preocupação com o meio ambiente ocorreu em meados do Século XIX.

A perda de qualidade de vida em decorrência do ar que tinha se tornado muito poluído pelas emissões de gases nocivos das fábricas, surgidos após a Revolução Industrial, principalmente na Inglaterra. Na Grã-Bretanha, em virtude do crescimento cientifico em várias áreas (principalmente com as pesquisas de Charles Darwin), o Biólogo Ernest Haeckel criou em 1866 o termo ecologia para designar a disciplina científica que estuda a relação dos seres vivos com o seu ambiente. (BURSZTYN; BURSZTYN, 2012, p. 73).

Quem assiste a série “The Crown” na Netflix, vai lembrar do episódio 4 da primeira temporada – “Act of God” e entenderá o problema sobre o ar na Inglaterra., Após o “Big Smoke”, ocorrido em 1952, problema de um grande nevoeiro com a poluição do ar, que deixou um saldo de 12 mil mortos e cerca de 100 mil pessoas doentes na cidade de Londres, é que a Inglaterra criou leis severas de proteção ambiental, apesar da discursão sobre o ar ter se iniciado ainda no século XIX [2].

De qualquer maneira, ainda no século XIX, sobre a proteção ambiental, podemos mencionar a criação oficial dos primeiros parques naturais no mundo, como o Parque Nacional de Yellowstone, em 1872, e o Parque Nacional de Yosemite em 1890 ( BRAGA, 2014), corroboram com a defesa nos Estados Unidos da América – EUA da ideia de proteção da vida selvagem, defesa do wilderness(wilderness.net)[3].

Entre os ambientalistas dos EUA cresciam duas correntes, os preservacionistas e os conservacionistas. Até hoje existe ainda essa divisão, a primeira corrente ligada ao naturalismo, ou à conservação do wilderness, defendia a natureza sem o homem. A segunda, entre vários aspectos, a exploração racional dos recursos naturais, a racionalidade econômica e a necessidade de estabelecer regras bioeconômicas adequadas. (BURSZTYN, BURSZTYN, 2012, p. 73).

Apesar de o final do século XIX e o início do XXI aparentar o surgimento de uma preocupação ambiental, ainda que incipiente, mas já com contornos globais, somente teve seu início em escala global, em parte, a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, de 1972. Para Sachs, o marco dessa mudança seria o choque causado no ser humano após o lançamento da bomba atômica[4]em Hiroshima e Nagasaki. (SACHS, 2009, p. 48).

De qualquer modo, cientistas passaram a constatar que, apesar do desenvolvimento científico, o rumo da humanidade poderá ser a extinção, caso persista no consumo excessivo dos recursos naturais, que são finitos. Várias foram as obras e artigos importantes para levantar esse ponto de vista.[5] No presente artigo não vamos trazer as mudanças no campo ético, social e legal, mas se ater aos aspectos de consciência ecológica.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano realizada entre 05 e 16 de junho de 1972 deve ser considerada como marco sobre a proteção ao meio ambiente, tanto que durante a Assembleia Geral das Nações Unidas foi criado o Dia Mundial do Meio Ambiente, dia 05 de junho. Em 1981, fazendo referência ao dia mundial do meio ambiente, o Brasil, por meio do Decreto 86.028, criou a Semana do Meio Ambiente no Brasil, contendo o seguinte:

Art . 3º – A Semana Nacional do Meio Ambiente será realizada na primeira semana do mês de junho, quando se comemora o “Dia Mundial do Meio Ambiente”.[6] 

O fato de o Brasil ter promulgado esse Decreto, demonstra que as recomendações debatidas em 1972 levaram o tema do meio ambiente a outro nível, pois os países passaram a repensar as agendas políticas. A ONU teve uma grande importância em intensificar esse tema nesses anos seguintes à conferência. Esses esforços resultaram na conhecida Conferencia da ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, que ficou mundialmente conhecida como “Cúpula da Terra”.

Momento no qual foi criada a “Agenda 21”, a assinatura do Protocolo de Kyoto, que introduziu vários outros temas transversos essenciais a agenda ambiental, como por exemplo a redução da emissão de gases do efeito estufa, com meta de cortes nas emissões dos gases de 5,2% entre 2008 e 2012, e 25% a 40% em 2020.

Após 1992, podemos destacar outro grande marco, a celebração do Acordo de Paris em 2015, sob a Convenção Quadro das Nações Unidas (ONU, 2015), durante a 21ª Conferência das Partes (COP-21), substituiu as metas do Protocolo de Kyoto, que fracassou, em razão do não cumprimento  das metas pelos países signatários.

Na COP 21, realizada em Paris, foi aprovado o acordo global tendo por objetivo impedir o aumento das emissões de gases do efeito estufa e assim conseguir enfrentar os temidos impactos de mudanças climáticas. Os impactos das mudanças climáticas se tornaram muito importante na agenda ambiental,  tanto que foram realizadas as seguintes Conferências das Partes: COP 22 (2016), COP 23 (2017), COP 24 (2018), COP 25 (2019). A COP 26 está prevista para ocorrer em novembro de 2021 em Glasgow no Reino Unido (UN, 2021).

Em todo mundo, podemos perceber que o meio ambiente passou a ser bastante debatido, não só em relação à proteção da natureza, mas em suas várias frentes conexas. A Convenção sobre a Diversidade Biológica, que passou a vigorar também no Brasil em 1998 (Decreto legislativo nº 2/94)[7]. Declaração de Roma sobre a Segurança alimentar, desenvolvimento sustentável, poluição de plásticos no oceano, lixo, etc.

Como será que essas informações estão chegando aos brasileiros, será que eles estão bem informados de toda essa transformação pela qual o mundo está passando?

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

O Brasil acompanhou os debates das agendas políticas mundiais. Pode-se afirmar que nos campos jurídico e legal, o Brasil foi inovador, uma vez que colocou a proteção do meio ambiente já na própria Carta Magana. A nossa Constituição Federal, em 1988, dispôs em seu art. 225 o seguinte: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

O Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3540 perscrutou o tema do reconhecimento das garantias e dos direitos fundamentais intrínsecos à proteção ao meio ambiente e a sua aplicação frente a outros princípios constitucionais, em especial, tratou do art. 225 da CF e a constitucionalidade de normas, que em tese, limitariam  áreas de proteção. Dispôs o STF  que a proteção ambiental não se restringe ao art. 225, mas a toda a CF.[8]  ????

Nesse julgado, o Supremo Tribunal Federal reconheceu como um dos mais significativos direitos fundamentais, o de proteção ao meio ambiente, “que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.”  

Como relatamos no início, uma das primeiras preocupações com a proteção do meio ambiente, forma as áreas protegidas. Nesse aspecto, devemos destacar que o Brasil conseguiu ter um grande avanço após a ECO-92, em decorrência da  Lei n° 9.985/2000, que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação.

Em pesquisa ao Cadastro Nacional de Unidades de Conservação – CNUC, o qual disponibiliza um banco de dados com informações oficiais do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (MMA, 2020), pode-se constatar que desde a criação desse lei até 2020 foram criadas 151 unidades de conservação, não contabilizadas as Reservas Particulares do Patrimônio Nacional, que totalizam 583 UCs. O quadro a seguir apresenta a quantidade de unidades de conservação criada por ano:

Unidades de conservação por ano de criação.

Fonte: (MMA, 2020)

No que tange ao número de unidades de conservação criadas entre 2000 e 2020, verifica-se que em números absolutos, tanto em quantidade como em tamanho, o Brasil está bem avaliado, sem levar em consideração a efetividade dessas UCs.

Ainda somente sobre o aspecto legal jurídico, pode-se constatar o meio ambiente foi tratado em vários temas a ele ligados, que podem ser resumidos pelas várias outras normas importantes para a proteção do meio ambiente, não só sobre as Unidades de Conservação. Podemos destacar, por ordem cronológica: Lei Patrimônio Cultural – Decreto Lei n° 25 de 30/11/1937, Lei das Florestas – número 4.771 de 15/09/1965, substituído em 2012 pelo controverso Novo Código Florestal Brasileiro Lei 12.651/2012; Lei da Fauna Silvestre – número 5.197 de 03/01/1967; Lei das Atividades Nucleares – Lei n°  6.453 de 17/10/1977; Lei do Parcelamento do Solo Urbano – Lei n°  6.766 de 19/12/1979 Lei Patrimônio Cultural –  Decreto Lei n° 25 de 30/11/1937; Lei do Zoneamento Industrial nas Áreas Críticas de Poluição – Lei n° 6.803 de 02/07/1980; Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – Lei n°  6.938 de 17/01/1981; Lei da Área de Proteção Ambiental – Lei n°  6.902 de 27/04/1981; Lei da Ação Civil Pública – Lei n°  7.347 de 24/07/1985; Lei do Gerenciamento Costeiro – Lei n°  7.661 de 16/05/1988; Lei da criação do IBAMA – Lei n°  7.735 de 22/02/1989; Lei dos Agrotóxicos – Lei n°  7.802 de 10/07/1989; Lei da Exploração Mineral – Lei n°  7.805 de 18/07/1989; Lei da Política Agrícola – Lei n°  8.171 de 17/01/1991; Lei da Engenharia Genética – Lei n°  8.974 de 05/01/1995; Lei de Crimes Ambientais – Lei n°  9.605 de 12/02/1998; Lei de Recursos Hídricos – Lei n°  9.433 de 08/01/1997; dentre outras leis e decretos.

Para aqueles que se depararam pela primeira vez com a quantidade de normas existentes, podem pensar que o Brasil está ótimo. Apesar desse grande arcabouço legal, a efetividade das normas é baixa. Existem muitas normas e pouca efetividade.

O Brasil tinha em 2019 mais de R$ 59 bilhões em dívidas resultantes de multas ambientais aplicadas para receber e pretendia abrir mão.[9] Ademais, o meio ambiente não pode ser visto unicamente como normas e como um dever do governo, mas a coletividade também tem o dever de proteger.

Como visto acima, o art. 225 da CF impõe “ao Poder Público e à coletividade o dever” de defender e proteger o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.  Será que a sociedade está sabendo desse dever?

O dever de informar e educar – a causa e a solução.

Apesar de todo o avanço mundial sobre a consciência ecológica e o arcabouço legal brasileiro existente, é lamentável ver que ainda estamos discutindo nos dias atuais, dentre outras coisas: abertura para mais agrotóxicos serem utilizados, mudança nas normas sobre tamanho de áreas protegidas, foi aprovado na Câmara projeto de lei que reduz a necessidade dos Estudos de Impacto Ambiental para vários tipos de projetos, por considera-lo como entrave, ou burocracia para o crescimento econômico.

O Brasil de hoje ainda vê a proteção do meio ambiente como um encargo, apesar da grande quantidade de normas e de discussões sobre o tema, parece que essas discussões estão restritas a nichos específicos, aos que estudam o direito ambiental, às ONGs que defendem o meio ambiente, aos políticos que discutem o tema. A população que será diretamente atingida por problemas ambientais parece estar alheia ao tema.

Não se trata de uma opinião minha. Temos uma série de pesquisas realizadas pelo Ministério do Meio Ambiente, desde 1992 quando da realização da ECO-92, que questionam especificamente o que pensa o brasileiro sobre o meio ambiente e vários temas que o envolve.

Constatou-se que os temas que são bem divulgados e defendidos são bem absorvidos  pela população, a exemplo do uso de sacos plásticos:

85% dos brasileiros dizem estar dispostos a aderir a uma campanha para reduzir o consumo de sacolas pla´sticas; 35% afirmam que em suas cidades ja´ existem campanhas neste sentido e 58% dizem na~o ter o ha´bito de levar a pro´pria sacola ou carrinho ao supermercado. As populac¸o~es que menos ouviram falar em campanhas sobre reduc¸a~o do uso de sacolas pla´sticas se encontram no Nordeste e Norte do pai´s. Este tipo de campanha predomina nas zonas urbanas (38,5%), sendo presentes em apenas 10% das a´reas rurais.[10]

Todavia, o que explica muita coisa, é a falta de informação sobre o meio ambiente. Observa-se o gráfico abaixo apresentado na mencionada pesquisa:

[11]

Em 2012, houve uma nova pesquisa, mas sem uma grande mudança. Os dados continuaram os mesmos, muito baixos. Somente 13% da população se considera bem informada sobre meio ambiente.

 [12]

No Brasil, 29% dos brasileiros acham que são muito mal informados, isso é muito preocupante. Aqui está o problema trazido no início deste artigo. Ao discorrer sobre a proteção do meio ambiente, falei rapidamente que essa proteção somente passou a ser exercida a partir do momento que o ser humano entendeu sobre a necessidade de proteger o planeta.

Quando o ser humano passou a estudar e explorar como proteger melhor o meio ambiente, o tema passou a fazer parte de várias áreas da ciência. Tecnologia, genética, biologia, geografia, ética, moral. Desde a economia aos setores produtivos, todas as áreas passaram, a partir desse século presente, a se inclinar para orbitar o tema ao redor do meio ambiente.

Não tenho dúvidas de que esse século será conhecido pela transformação de nossa sociedade, as sociedades que não se adaptarem irão sofrer os efeitos. Não é uma transformação que ainda irá acontecer, já está acontecendo. Quantas fábricas de automóveis foram fechadas no Brasil esses dois últimos anos? Não se iludam que o motivo foi a pandemia, pois a FORD acaba de informar que vai investir 29 bilhões de dólares em carros elétricos.[13] 

Interessante observar que no Brasil, quem está de olho no mercado sustentável não é o Ministério do Meio Ambiente, mas o Ministério da Agricultura. No dia 20 de maio de 2021, a Ministra Tereza Cristina participou de uma conferência entre representantes do setor da China e do Brasil para debater sobre “carne carbono neutro, integração lavoura-pecuária-florestas, soja com menos uso de químicos e até a produção de tecido a partir de milho, em substituição ao plástico”.[14] 

Conclusão

Como se pode observar, existe sim o interesse pelo meio ambiente, mas a população brasileira precisa ter uma educação ambiental e ser mais informada sobre o tema. Aqui é onde constato o maior problema hoje no modelo de proteção ambiental, a falta de uma educação e sistema de informação eficiente.

Não podemos nos iludir e nos satisfazermos a termos somente uma semana para discutir o meio ambiente em nossa sociedade, pois é o que está acontecendo. Devemos ter a ecologia, o desenvolvimento sustentável, reciclagem do lixo, em suma, tudo que se refere ao meio ambiente como uma matéria a ser ensinada desde as crianças até os jovens.

O Brasil tem o dever de informar e educar a população sobre meio ambiente, proteção da biodiversidade. A Constituição Federal dispõe claramente no inciso, § 1º, do Art. 225 da Constituição Federal que “Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (…)promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”. A convenção da biodiversidade, da qual o Brasil faz parte, também trata em seu art. 13 sobre a necessidade  campanha educacional.

Em nível infraconstitucional, foi regulamentado esse dever de educação ambiental pela Lei 9.795, de 27 de abril de 1999, que “Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências”. Esse Lei é muito interessante do aspecto estilístico, pois trata a educação ambiental como “um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal”.

A Lei cria a Política Nacional de Educação Ambiental, envolvendo um grande parcela da sociedade,  “além dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, instituições educacionais públicas e privadas dos sistemas de ensino, os órgãos públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e organizações não-governamentais”.

Todavia, essa Lei não é aplicada de forma efetiva, como observamos nas pesquisas sobre o que o brasileiro entende se está bem informado sobre meio ambiente, essa Lei se mostrou ineficiente. Confirma-se a deficiência da política de propaganda sobre a educação ambiental, o que cria o atual estado de alienação sobre o tema do meio ambiente na sociedade brasileira.

Além disso, entendo que a Lei n 9.795, de 27 de abril de 1999 se tornou um retrocesso para a política de educação ambiental, pois ela cria um obstáculo, especialmente para o aprimoramento da educação básica e fundamental no  Brasil. O seu art. 10 proíbe a criação de disciplina específica sobre o tema, senão vejamos:

Art. 10. A educação ambiental será desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal.

§ 1º A educação ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino.

Entendo que nos dias atuais, quase no aniversário de 30 anos da Eco-92, o fato de praticamente 90% da atual população brasileira afirmar que não é bem informada sobre meio ambiente, é um risco para as futuras gerações. Onde está o erro? Acredito que na formação escolar, pois no atual panorama do meio ambiente, que afeta a tecnologia, o empreendedorismo, o agronegócio, o comportamento, a ética, a arquitetura, etc, esse tema deve ser visto como um matéria obrigatória, transformada em uma disciplina própria.

O meio ambiente deve ser compreendido em todas as suas vertentes, merece nos dias atuais ser tratado como uma disciplina própria no currículo escolar. Não devemos discutir o meio ambiente somente na Semana do Meio Ambiente, mas o ano todo e principalmente, para que no futuro possamos ter uma população mais bem informada sobre o tema.

Assim, entendo que o § 1º do art. 10, da Lei n 9.795, de 27 de abril de 1999 apresenta indícios de inconstitucionalidade. Nesse sentido sugiro o ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI para discutir a constitucionalidade desse respectivo parágrafo. Ou pensarmos urgentemente sobre uma possível alteração legislativa na Lei n 9.795, de 27 de abril de 1999, em especial no § 1º do art. 10.


[1] Mestre em Direito e Políticas Públicas do UniCEUB DF. Integrante do grupo de pesquisa Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do UniCeub. Secretário Geral do Instituto de Direito Político e Partidário – Pluris. Cofundador do Escola Prática de Direito. Assessor Técnico da Câmara dos Deputados.

[2] Grande Nevoeiroo. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Nevoeiro_de_1952. Acesso em 03 jun 2021.

[3] O significado de wilderness pode ser compreendido pelo seguinte trecho da Lei da Vida Selvagem, tradução livre: “A Lei da Vida Selvagem é uma das leis ambientais mais bem sucedidas dos Estados Unidos, vigente por quase 50 anos sem uma alteração substancial, e, como tal, continua a ser a peça de orientação da legislação para todas as áreas de wilderness. A Lei descreve wilderness da seguinte forma:

‘… Designada terras para preservação e proteção em seu estado natural … ´ Seção 2 ( a) ‘ … Uma área onde a terra e sua comunidade de vida não foram degradadas pelo homem … ´ Seção 2 ( c) ‘… Uma área de terra Federal subdesenvolvida que retém Influência de caráter primitivo, sem melhora permanente ou habitação humana … ´ Seção 2 ( c) ‘ … Em geral parece ter sido primeiramente afetado pelas forças da natureza, com a marca do trabalho do homem Praticamente imperceptível … ´ Seção 2 ( c) ‘ … Tem excelentes oportunidades para a solidão ou um tipo primitivo e não confinada de recreação …’ Seção 2 (c) ‘… deve ser dedicado propósitos de uso públicos de recreação, cênica , científico, educacional, conservação e uso histórico. ´

[4] Ignacy Sachs afirma que tanto o lançamento da bomba em Hiroshima como a viagem do homem a lua serviu para despertar a reflexão pela finitude da Terra.

[5] Sugestões de leitura de livros e artigos pioneiros do século XX. Um trabalho pioneiro que chocou a humanidade com a apresentação de problemas ambientais causados pela ação do homem, a “Primavera Silenciosa”[5] de Rachel Carson (1969), de 1962. A ideia da obra é demonstrar a necessidade de se conhecer a natureza e não confiar plenamente no desenvolvimento científico como solução para tudo. Carson demonstra que os problemas ambientais ultrapassam as fronteiras dos países, sejam eles capitalistas ou socialistas, desenvolvidos ou subdesenvolvidos.

O trabalho de Rachel Carson teve grande aceitação do público, principalmente pela forma fácil em que a autora expõe estudos científicos sobre o uso de resíduos de pesticidas organoclorados, em especial o DDT, que eram utilizados de maneira indiscriminada o que causou a morte de peixes, pássaros e vários outros animais de pequeno porte. Além disso, demonstra a autora que os pesticidas passam pela cadeia alimentar e se acumulam nos tecidos adiposos não só dos animais, como do homem, podendo causar também várias doenças, entre elas, o câncer.

Provavelmente, a maior contribuição desse livro foi demonstrar a necessidade e a relação da cadeia, do ecossistema, na qual faz parte o homem e, principalmente, que essa relação envolve todo o planeta Terra. Essa contribuição foi feita de forma implícita, a partir do momento em que é exposto no livro que até nas áreas mais remotas da Terra são encontrados resíduos dos pesticidas, transportados por lençóis freáticos, correntes oceânicas ou pelo próprio ar, retidos na gordura de animais marinhos. Esse trabalho rendeu grande polemica, mas serviu nos Estados Unidos, posteriormente em quase todo o mundo, para criar uma política de controle desses pesticidas (CARSON, 1969).

Um dos principais problemas do meio ambiente ainda hoje é a crença desenfreado do ser humano de que a ciência terá a solução para tudo, até para os problemas do meio ambiente. Em seu livro, Rachel Carson quebra o pedestal das descobertas cientificas, mostrando que se elas não forem utilizadas com cautela, tornam-se maléficas (CARSON, 1969).

Vários outros trabalhos entre as décadas de 1960 e seguintes serviram para mudar a forma de pensar do homem sobre o meio ambiente. Entre esses trabalhos, cabe destaque o Limite do Crescimento, desenvolvido pelo Clube de Roma, determina um prazo para o futuro do planeta mudar as condições estabelecidas há época, sob pena de entrar em colapso a sociedade existente (MEADOWS, RANDERS, BEHRENS III, 1973).

Pode-se dar destaque, também, ao Relatório Brundtland, documento conhecido como Nosso Futuro Comum, cujo teor demonstra a necessidade de mudança de pensamento também sobre a ótica do desenvolvimento, na qual deve se inserir o meio ambiente a um “desenvolvimento sustentável” (BRUNDTLANDA, 1987).

[6] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Atos/decretos/1981/D86028.html

[7] DECRETO Nº 2.519, de 16 de março de 1998.

[8](…) Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. – A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. – O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. O ART. 4º DO CÓDIGO FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.166-67/2001: UM AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. – A Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que introduziu significativas alterações no art. 4o do Código Florestal, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pelo diploma normativo em questão. – Somente a alteração e a supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos qualificam-se, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva legal. – É lícito ao Poder Público – qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) – autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III) (grifo nosso)

(ADI 3540 MC, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/2005, DJ 03-02-2006 PP-00014 EMENT VOL-02219-03 PP-00528)

[9] https://theintercept.com/2019/10/21/ibama-bilhoes-multas-ambientais/

[10] O que os brasileiros pensam sobre o meio ambiente: https://www.gov.br/mma/pt-br/centrais-de-conteudo/sumario-20executivo-pesquisabrasileiro-principais-20resultados-2012-pdf

[11] O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do consumo sustentável: mulheres e tendências atuais e futuras do consumo no Brasil https://bibliotecadigital.mdh.gov.br/jspui/handle/192/748

[12] O que os brasileiros pensam sobre o meio ambiente: https://www.gov.br/mma/pt-br/centrais-de-conteudo/sumario-20executivo-pesquisabrasileiro-principais-20resultados-2012-pdf

[13]Ford vai investir 29-bilhoes até 2025 em carros elétricos e autônomos https://jornaldocarro.estadao.com.br/carros/ford-vai-investir-us-29-bilhoes-ate-2025-em-carros-eletricos-e-autonomos/

[14] https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/agro/2021/05/793399-agricultura-sustentavel-pode-atrair-investidores-e-fundos-chineses-ao-brasil.html