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SE HÁ RACISMO, NÃO HÁ DEMOCRACIA!
Gilmária Oliveira dos Santos

Gilmária Oliveira dos Santos

Secretária estadual da Mulher do Solidariedade/BA

SE HÁ RACISMO, NÃO HÁ DEMOCRACIA!
O Brasil é um país em dívida com a população negra – dívidas históricas e atuais. Portanto, qualquer projeto ou articulação por democracia no país exige o firme e real compromisso de enfrentamento ao racismo.

Esse texto convida você a refletir sobre Racismo e Democracia. Então vamos a alguns conceitos.

A “Democracia racial” é o estado de igualdade entre as pessoas independentemente de raça, cor ou etnia. Democracia em sentido amplo, não fala apenas de possibilidade de participação política, mas também de igualdade de direitos, igualdade social, igualdade racial e liberdade garantida a todas as pessoas.

Organização das Nações Unidas (ONU) promulgou, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos por conta do passado de escravidão, racismo e exploração de territórios africanos por parte de nações europeias, deixando uma imensa cicatriz de preconceito e discriminação na sociedade, além do terrível holocausto que sentenciou à morte injusta milhões de judeus. A declaração ressalta a igualdade de direitos entre todos os seres humanos, independentemente de raça, cor, religião, nacionalidade ou gênero.

Segundo o art. 2 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição|1|. O reconhecimento de direitos iguais por parte da ONU consiste num importante passo para o estabelecimento da democracia racial no mundo. Mas será o suficiente?

A Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 ratifica o estabelecimento de direitos iguais entre pessoas independentemente de qualquer elemento distintivo. O art. 5 da Constituição traz o seguinte: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade|2|. Embora a declaração não traga o recorte quando a questões étnico racial, não pode haver discriminação de nenhuma natureza, ficando implícito que discriminação racial não é permitida.

Pensando bem, desde a abolição da escravatura no Brasil, nunca houve lei restritiva que segregasse oficialmente a população negra da população branca. No entanto, há uma ideologia racista que perdura até hoje e, especialmente, há um racismo velado, estrutural, que perversamente mantém a população negra à parte da plenitude de seus direitos em nosso país.

De acordo com Kabengele Munaga, congolês naturalizado no Brasil e professor emérito de Antropologia da USP, “a democracia só será uma realidade quando houver, de fato, igualdade racial no Brasil e o negro não sofrer nenhuma espécie de discriminação, de preconceito, de estigmatização e segregação, seja em termos de classe, seja em termos de raça. Por isso, a luta de classes, para o negro, deve caminhar juntamente com a luta racial propriamente dita|3|. Assim o Racismo Estrutural é aquele que não é explícito em um preconceito e uma discriminação claros e distintos, ele está enraizado na sociedade. Isso é um empecilho para que haja ascensão social dos negros. É possível falar-se em democracia racial, enquanto houver distinção de classes sociais marcada também pela cor da pele?

O Brasil é um país em dívida com a população negra – dívidas históricas e atuais. Portanto, qualquer projeto ou articulação por democracia no país exige o firme e real compromisso de enfrentamento ao racismo. Essa ação é ainda mais urgente em meio as consequências da pandemia da Covid-19, quando a população negra é o segmento que mais adoece e morre, que amplia as filas de desempregados e que sente na pele o desmantelamento das políticas públicas sociais. Neste momento, em que diferentes setores se unem em defesa da democracia, contra o fascismo e o autoritarismo, é de suma importância considerar o racismo como assunto central das discussões parlamentares, envolvendo a sociedade em uma luta única pela garantia dos direitos de todos os povos, independentemente da sua origem étnico racial, cor ou gênero, pensar em democracia racial requer que sejam livres e tenham direitos iguais.

E por fim , pensemos:  há democracia, cidadania e justiça social sem compromisso público de reconhecimento do movimento negro como sujeito político que congrega a defesa da cidadania negra no país? há democracia sem enfrentar o racismo, a violência policial e o sistema judiciário que encarcera desproporcionalmente a população negra? há cidadania sem garantir redistribuição de renda, trabalho, saúde, terra, moradia, educação, cultura, mobilidade, lazer e participação da população negra em espaços decisórios de poder? há democracia sem garantias constitucionais de titulação dos territórios quilombolas, sem respeito ao modo de vida das comunidades tradicionais? há democracia com contaminação e degradação dos recursos naturais necessários para a reprodução física e cultural? há democracia sem o respeito à liberdade religiosa?

Não há justiça social sem que as necessidades e os interesses de 55,7% da população brasileira sejam plenamente atendidos. (Coalizão Negra por Direitos, 2021)

Agora é com você querido/a leitor/a!

|1| DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, ONU, 1948.

|2| BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988. 53. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2018, p. 9.

|3| JORNAL GGN- Entrevista de Kabengele Munaga, 2018