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História do SUS e importância da defesa do sistema
Diógenes Sandim

Diógenes Sandim

Médico Sanitarista e consultor da Fundação 1º de Maio

História do SUS e importância da defesa do sistema
Ainda estamos vivendo o processo de luta pela completude da Reforma Sanitária Brasileira, para tanto é necessário dizer que o SUS não é propriedade de nenhum partido é, isso sim, patrimônio da consciência sanitária de nossa população e de muitos que estiveram na liderança desse processo e que já tombaram no curso desta jornada, estou falando principalmente de Davi Capistrano e de Sérgio Arouca.

Hoje, com 72 anos de vida, nascido em 1950, em um lar de família pobre, na época meu pai um pequeno agricultor em Mato Grosso, minha mãe ocupando-se dos serviços do lar e todos nós por falta de recursos, a não ser em épocas de “boa colheita” – que era uma raridade – dependíamos dos serviços da benemerência filantrópica das Santas Casas para nossos males físicos.

No fatídico ano de 1956, minha mãe sofreu um grave acidente no campo, quando ajudava meu pai em seu trabalho. Acompanhei nos meus seis anos de idade a angústia de ver o sofrimento de meu pai e de minha mãe e os percalços de uma família pobre dependente da complacência alheia para sobreviver em momentos de emergência em defesa da vida.

Na cidade, os trabalhadores registrados, quando organizados pelos seus sindicatos, eram atendidos pelos antigos IAPs, institutos que atendiam os trabalhadores de seus respectivos ramos de produção. Fora isso, as pessoas dependiam de recursos para pagar o médico e aposentos hospitalares ou se submeter às consultas em enfermarias de indigentes.

Logo após o golpe militar de 1964, impregnado pelo autoritarismo e pela centralização administrativa do poder, foi criado em âmbito nacional o Instituto Nacional de Pensão Social (INPS) para as questões de Aposentadoria e Pensões e o INAMPS (Autarquia Nacional da Assistência Médica da Previdência Social) somente para os empregados com CLTs

Nessa época ocorreu a criação de uma imensidão de Empresas de Medicina de Grupo que faturavam junto ao INAMPS por procedimentos, prática que promoveu muitos escândalos de corrupção, o que levou em pouco tempo a falência do sistema. 

Enquanto isso, predominava uma realidade epidemiológica com altos índices de mortalidade infantil, mortalidade materna e de doenças infecto parasitárias, características dos países subdesenvolvidos. Boa parte da população na época (década de 60 e 70), por volta de 30 a 40% dos habitantes, ou seja, em média 40 milhões de pessoas, viviam sem cobertura para a saúde, permanecendo cada vez mais uma parcela significativa, sem cobertura mínima de proteção.

Nos últimos anos de chumbo, no último governo desse período, quando se unia saúde com a necessidade de democracia, começou uma das batalhas, no âmbito da política pública, mais bem formulada enquanto estratégia, quando ao mesmo tempo que lutávamos por democracia costumávamos uma revolução cultural hegemônica no seio da sociedade. 

Por meio de uma ação política que começou nas Universidades, mais particularmente nos departamentos de Medicina Preventiva das Faculdades Médicas, com uma discussão sobre Saúde Pública e suas relações com a política,  em particular com democracia, fazíamos um “link” com nossa história. 

Criamos o CEBES (Centro Brasileiro de Estudos da Saúde) que existe até hoje, e sua revista oficial Saúde em Debate”. Espalhamos em todo território nacional a representação local do CEBES, e levamos esse debate para dentro do Congresso Nacional, e em todos partidos da época, do PDS ao PT, foi criado adeptos dos argumentos por nós defendido (nessa época, nos estertores do fim da ditadura, alguns partidos foram permitidos ser criados, sendo eles: PDS -11-; PDT-12-; PT-13-; PTB-14- e PMDB -15-).

Dentro do Congresso Nacional e durante a Constituinte de 1988, se dizia de um partido oficioso dentro do congresso, o PS (Partido da Saúde).  Foi, portanto, por meio dessa logística organizacional e de uma produção gráfico cultural que delineamos os parâmetros de um Sistema Único, descentralizado, de Saúde a nível nacional, chamado SUS – Sistema Único de Saúde – inserido em nossa nova  Constituição de 1988, no artigo 196A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Após a aprovação na Constituinte, aproveitando o momento propício de uma nova cultura hegemônica, avançamos para criar sua Lei Orgânica, a LOS (Lei Orgânica de Saúde) que em 1999 foi criada com os números 8.080 e 8.132.

Tornou consenso entre nós e na academia que estávamos no início de um processo de reforma, que resolvemos defini-la como Reforma Sanitária Brasileira, e que esse processo deveria durar até conquistarmos um “status” hegemônico, cumprindo na prática 100% dos princípios do SUS, quais sejam: 

UNIVERSALIDADE (cobertura universal)

INTEGRALIDADE (atenção Integral: Promoção, Proteção e Recuperação da saúde) 

EQUIDADE (a cada um segundo sua necessidade)

Muitas foram as conquistas até agora da Reforma Sanitária brasileira e muitos foram seus empecilhos, justamente por se tratar de um modelo Sistêmico e Humanístico que vai de encontro aos interesses do capital predatório que ainda tem no mundo e no Brasil com sua peculiaridade odiosa e endêmica.

Temos no SUS uma referência de reforma estruturante para nossas políticas públicas, nesse sentido é importante notar que já serviu para o Serviço Social com o SUAS (Sistema Único do Serviço Social) e me parece que se esboça na segurança pública, com um futuro SUSP (Sistema Único de Segurança Pública). 

Acho importante esse pequeno histórico, para que os mais jovens possam perceber que a luta por melhores dias para nossa população exige conhecimento, planejamento e ação coordenada e uma vontade política focada nos objetivos estratégicos a serem conquistados. 

Ainda estamos vivendo o processo de luta pela completude da Reforma Sanitária Brasileira, para tanto é necessário dizer que o SUS não é propriedade de nenhum partido é, isso sim, patrimônio da consciência sanitária de nossa população e de muitos que estiveram na liderança desse processo e que já tombaram no curso desta jornada, estou falando principalmente de Davi Capistrano e de Sérgio Arouca.