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Esquerda, direita e centro: por que há tantos partidos políticos?
Elói Pietá

Elói Pietá

Diretor de projetos e programas políticos da Fundação 1º de Maio

Esquerda, direita e centro: por que há tantos partidos políticos?
Para saber mais sobre o assunto, conversamos com Elói Pietá, que explicou mais sobre os partidos e suas funções

No Brasil e em democracias ao redor do mundo, as categorias tradicionais de esquerda, direita e centro se multiplicam em um caleidoscópio de siglas, ideologias e alianças. Essa fragmentação levanta uma questão fundamental: por que, afinal, existem tantos partidos políticos? A resposta não é simples e nos leva a uma jornada pelas raízes históricas, particularidades sociais e dinâmicas eleitorais que moldam o cenário partidário.

Um dos principais motivos para essa proliferação é a busca por representatividade. À medida que a sociedade se torna mais complexa e diversificada, diferentes grupos e interesses buscam sua voz no sistema político. Para saber mais sobre o assunto, conversamos com Elói Pietá, que explicou mais sobre os partidos e suas funções; confira:

Elói, ouço às vezes a opinião: ”Na política não tem mais esse negócio de esquerda, direita, centro”. Tem ainda?

Elói:
Enquanto existirem conflitos na sociedade, as pessoas, os grupos, ou os partidos, adotarão um lado nos conflitos. Há mais de 200 anos consolidou-se na política o uso dos termos esquerda, direita, centro, para distinguir os lados adotados. Essa terminologia continua intensamente viva, porque os conflitos na sociedade continuam vivos e as posições que se adotam neles continuam existindo.

Então qual a diferença entre direita e esquerda?

Elói:
Tem vários aspectos que diferenciam. Acho que a distinção mais forte está no tema igualdade e desigualdade econômica e social.
As lideranças da direita são mais associadas às classes ricas. Por isso, são vistas como defensoras de posições políticas que mantêm desigualdades econômicas e sociais. Preferem deixar que a economia privada e os méritos individuais definam o que acontece na sociedade. Por isso, nos governos elas defendem e praticam a privatização de empresas e serviços públicos, e são muito associadas ao empreendedorismo.
As lideranças de esquerda são mais associadas às classes populares na busca de superar as desigualdades entre ricos e pobres. Por isso elas preferem os movimentos coletivos, já que pobres são muitos e ricos são poucos. Elas consideram que sem ações dos governos não se conseguirá reduzir as desigualdades. Preferem então priorizar a presença estatal na economia. E não têm facilidade de lidar com o empreendedorismo, que surge de iniciativas individuais.

E na área dos costumes e vivências na sociedade como se comportam direita e esquerda?

Elói:
A direita é normalmente conservadora nos costumes, no modo mais antigo de viver da sociedade. Por isso, a maioria dos que se colocam neste campo são resistentes a medidas que deem mais poder às mulheres frente à predominância dos homens; não apoiam cotas que favoreçam os negros; são contra os casamentos homossexuais; são a favor de uma polícia dura que atinge os membros das classes pobres; defendem a continuidade do avanço do progresso humano sobre a natureza.
A esquerda é mais aberta a novidades nos costumes. A maioria de quem assume esta posição propõe medidas que levem à igualdade entre mulheres e homens, entre negros e brancos; aceita quem opta pelo casamento homossexual; defende para todos os direitos humanos básicos garantidos em lei mesmo para as pessoas que cometeram crimes; assume os movimentos de décadas recentes em defesa da natureza.

Mas a esquerda e a direita não são homogêneas. Em cada um destes campos quais seriam as diferenças internas?

Elói:
Os campos de direita e esquerda se diferenciam um do outro em linhas gerais, mas internamente neles há tonalidades. Tanto que há a direita mais moderada e a extrema-direita. E na esquerda também há esta distinção. Em cada campo não há concordância em tudo. Por exemplo, o tema do aborto não tem acordo sobre ele em nenhum destes campos. Também os divide internamente como combater a criminalidade e as drogas. Há divergências como um campo se relaciona com o outro. E como se comporta em relação à democracia. Tanto que, em episódio recente, a direita se dividiu sobre respeitar ou não o resultado eleitoral.

Então onde fica o chamado centro nesta história?

Elói:
As lideranças de centro ficam “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”.  Tentam mediar estes conflitos. As pessoas, grupos e partidos de centro buscam um equilíbrio entre as duas posições. Na polarização entre lideranças de esquerda e de direita procuram se apresentar como uma terceira via. A escolha do centro em geral se dá por dois motivos: ou por buscar uma síntese dos pontos positivos dos contendores; ou porque se considera que ambos estão errados. Para os centristas a virtude está no meio termo.

Vamos dar alguns exemplos desta posição mediana do centro?

Elói:
Por exemplo, no tema da desigualdade econômica e social os centristas podem partir do princípio de que a desigualdade sempre haverá (nisto se aproximam da direita), mas que é preciso adotar medidas públicas para reduzi-la ao máximo (nisto se aproximam da esquerda). E assim ocorre em muitos outros temas, como os que dizem respeito aos costumes e modos de viver na sociedade. Na mais recente disputa de segundo turno das eleições presidenciais no Brasil, parte do centro foi com a direita e parte com a esquerda. De tal modo que há cientistas políticos que dizem na verdade não existir centro. Para eles, o centro se divide entre os que se aproximam da centro-esquerda eos que se aproximam da centro-direita, conforme os posicionamentos que assumem em cada episódio ou no dia-a-dia da disputa política.

Por que temos tantos partidos políticos no Brasil? Não seria mais fácil se tivéssemos apenas dois?

Elói:
Os partidos políticos são filhos da democracia. Eles representam partes, pedaços da sociedade, que pensam diferente, que conflitam entre si. Durante o período da ditadura militar, o Brasil teve só dois partidos legais: ARENA E MDB. Mas foi por imposição do governo militar que cassou o registro e proibiu o funcionamento dos outros partidos. Surgiram então partidos clandestinos contra a ditadura. O que significava uma resistência na sociedade à ditadura.

Quais as razões então que fazem existir na sociedade muitos partidos?

Elói:
Surgem partidos conforme as prioridades que pessoas ou grupos defendem e se unem em torno delas.  Vamos dar alguns exemplos dessas ideias que viram partidos. Tem partidos mais voltados aos interesses dos assalariados e outros que representam mais os interesses dos patrões. Tem partidos que agregam pessoas que priorizam a defesa do meio ambiente e outros que juntam quem considera a proteção ambiental um obstáculo à economia. Tem partido que defende as regras de costumes pregadas nas igrejas, e tem outros que defendem o direito de liberdade nos costumes. Estes partidos podem juntar várias destas ideias, com uma ou duas predominando. É assim na democracia.

Por que hoje está diminuindo o número de partidos no Brasil?

Elói:
Está se enxugando o número de partidos porque uma lei nova, de 2017, definiu que só podem receber recursos do orçamento federal para sua manutenção e para campanhas eleitorais os partidos que conseguirem eleger um número mínimo de deputados federais.Para não ficar fora desse financiamento, a tendência é partidos se fundirem. Dois partidos viram um só e assim aumentam seu número de deputados e sua participação na divisão do bolo.  Ou formam federações. Dois ou mais partidos se unem no mínimo por quatro anos, em aliança permitida pela lei e formalizada na Justiça Eleitoral. Assim garantem acesso ao Fundo Partidário, ao Fundo Eleitoral e aos programas gratuitos de rádio e TV.

Mas o que acontece com os partidos quando a sociedade se polariza em torno de dois deles?

Elói:
A polarização é reflexo das disputas na sociedade, que se expressam na política. O mais comum é que este conflito vai se afunilar entre duas opções que ficaram mais fortes na população em determinado momento histórico. Duas grandes forças então disputam o poder entre si, dificultando aquilo que poderia se chamar de terceira via ou terceira opção. E atraem ao final os outros partidos para um ou outro dos lados. As eleições governamentais em segundo turno são o maior exemplo da polarização.

Como famosos cientistas políticos definiram o que são partidos políticos?

Elói:
Vejamos algumas clássicas definições de partidos políticos feitas por pensadores europeus. Qual você escolheria?
“Uma reunião de pessoas que professam a mesma doutrina política”. (Benjamin Constant, político e intelectual francês na passagem dos séculos 18 e 19).
“ Os partidos são formações que agrupam homens de mesma opinião para lhes garantir uma influência verdadeira sobre a gestão dos negócios públicos”. (Hans Kelsen, jurista e filósofo austríaco na passagem dos séculos 19 e 20).
“O partido constitui relações de tipo associativo, uma dependência fundada num recrutamento de forma livre, com objetivo de assegurar o poder a seus dirigentes no seio de um grupo institucionalizado, a fim de realizar um ideal, ou de obter vantagens materiais para seus militantes”. (Max Weber, jurista e economista alemão, na passagem dos séculos 19 e 20, um dos fundadores da Sociologia).
“Os partidos políticos são agrupamentos voluntários, organizados mais ou menos, que pretendem, em nome de uma certa concepção de interesse comum e de sociedade, assumir, sozinhos ou em coalizão, as funções de governo”. (Raymond Aron, filósofo e sociólogo francês do século 20).