Com milhões de mulheres donas de negócios, muitas delas à frente de Microempreendimentos Individuais (MEIs) e Micro e Pequenas Empresas (MPEs), o talento, a resiliência e a capacidade de inovação das empreendedoras brasileiras são inegáveis. No entanto, por trás desses números positivos, reside um obstáculo estrutural que limita o pleno desenvolvimento e a escalabilidade de seus empreendimentos: a dupla jornada. A dificuldade em conciliar as exigências rigorosas da gestão empresarial com as responsabilidades domésticas e familiares não é apenas um desafio pessoal; é o maior entrave socioeconômico ao empreendedorismo feminino no Brasil.
Enquanto a mulher avança no mercado, a divisão do trabalho não remunerado no ambiente doméstico permanece profundamente desigual. Pesquisas indicam que as brasileiras dedicam, em média, mais que o dobro de horas semanais aos afazeres domésticos e ao cuidado de pessoas do que os homens, muitas vezes somando até 25 horas por semana em atividades não remuneradas. Para a empreendedora, essa disparidade se traduz em uma sobrecarga crônica que exige malabarismos constantes e sacrifícios na esfera profissional.
O tempo que deveria ser dedicado ao planejamento estratégico, à busca por capital de investimento, ao networking com potenciais parceiros ou clientes, ou simplesmente à capacitação e ao desenvolvimento de novas competências, é invariavelmente consumido pela “segunda jornada”. Essa limitação temporal não permite que o negócio cresça em seu potencial máximo. Muitas empreendedoras se veem compelidas a manter suas empresas em um escopo reduzido, priorizando a flexibilidade de horário em detrimento da escalabilidade e da rentabilidade, o que impacta diretamente a competitividade e o faturamento.
Essa pressão incessante não acarreta apenas custos financeiros e de oportunidade para o negócio. Ela impõe um fardo significativo sobre a saúde mental das empreendedoras. A ansiedade e o risco de burnout aumentam substancialmente quando a mulher precisa ser, simultaneamente, CEO, mãe, gestora financeira do lar e cuidadora, muitas vezes sentindo-se sozinha nesse esforço.
Dados de estudos apontam que a dupla jornada é citada como o principal desafio por uma parcela significativa de empresárias brasileiras, superando, em alguns levantamentos, até mesmo as dificuldades de acesso a crédito. O fato de que mais da metade das empreendedoras que buscam a flexibilidade do próprio negócio ainda relata dificuldade em conciliar as demandas do trabalho com a vida pessoal reforça a tese de que o problema é sistêmico e não apenas individual.
Para que o empreendedorismo feminino no Brasil possa florescer em todo o seu potencial e, consequentemente, impulsionar o desenvolvimento econômico e a geração de renda, é imperativo que a sociedade e o poder público atuem de forma coordenada.
Isso exige, primeiramente, uma mudança cultural profunda, que promova a equidade na divisão do trabalho não remunerado dentro dos lares. Em segundo lugar, demanda a aceleração de políticas públicas que subsidiem a economia do cuidado, com a expansão da oferta de creches de qualidade em tempo integral e centros de convivência para idosos e dependentes.
Ao mitigar a pressão da dupla jornada, liberando tempo e energia para o foco empresarial, o país não estará apenas apoiando as mulheres individualmente, mas sim investindo no seu próprio futuro econômico. O sucesso da empreendedora brasileira depende de um ecossistema que reconheça a totalidade de suas responsabilidades, transformando o desafio da conciliação em uma oportunidade real de crescimento para todas.