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Déficit habitacional reflete a desigualdade do país
Cláudio Prado

Cláudio Prado

Consultor da Fundação 1º de Maio

Déficit habitacional reflete a desigualdade do país
Apesar de estar na Constituição, realidade reflete negação do direito à moradia

Hoje, celebramos o Dia Nacional da Habitação, instituído com a criação do antigo Banco Nacional de Habitação (BNH) há 57 anos. A data é um momento para refletirmos e nos lembrar da importância de todos terem um lar, principalmente em tempos de pandemia.

Devemos modificar a ideia de que habitação é só um “bem” que pode ser comprado e vendido para uma necessidade de humanização e convívio.

Moradia como direito fundamental

O direito à habitação é um direito fundamental, consignado no corpo da Constituição Federal. Porém, em sociedades desiguais como a nossa, nem todas as pessoas têm acesso às mesmas condições e oportunidades.

Cada sociedade ou país difere nos aspectos culturais, econômicos e sociais, assim como cada governo tem as suas ações e prioridades para desenvolver o seu sistema habitacional de interesse e proteção social.

Hoje, o déficit habitacional é o que compõe uma das mais graves mazelas da sociedade brasileira e um dos desafios mais importantes do desenvolvimento urbano no Brasil é justamente oferecer moradias de baixo custo para famílias de baixa e média renda.

O que apontam os dados brasileiros

O Brasil não tem dados atualizados sobre seu déficit habitacional, pois o Censo Demográfico de 2020 não foi realizado em função da pandemia. Sendo assim, o texto traz as informações mais recentes disponíveis. De acordo com uma pesquisa da Fundação João Pinheiro, de 2019, o déficit habitacional em todo o Brasil foi de 5,8 milhões de moradias, das quais 79% concentraram-se em famílias de baixa renda.

O estudo indica também que 87,7% do déficit habitacional quantitativo (moradias em falta, seja por habitação precária, coabitação familiar, pessoas demais por metro quadrado, ou custo alto de aluguel) está localizado nas áreas urbanas. Além disso, ele demonstra que o déficit habitacional absoluto no Brasil passou de 5,657 milhões em 2016 para 5,877 milhões em 2019. Essas moradias representam 8% dos domicílios do país.

Déficit vai além da falta de moradia

Normalmente, quando imaginamos um déficit habitacional, pensamos em famílias sem casa. No entanto, o significado do termo não é bem esse. Ele abrange também moradias em situações precárias como casas improvisadas, cômodos e também os valores excessivos de aluguéis. Os números do déficit habitacional do estudo da Fundação João Pinheiro correspondem a soma de cinco subcomponentes, listados abaixo com a quantidade de domicílios equivalente:

Domicílios rústicos: 696.489

São aqueles que têm formas de construção não-convencionais como paredes que não são de alvenaria, teto de palha, chão de terra batida, entre outras.

Domicílio improvisado: 785.736

Espaço precariamente adaptado pela família para servir de moradia. Nestes domicílios, geralmente não é possível distinguir cômodos ou individualizar os espaços. Normalmente não contam com acesso a serviços básicos de abastecimento de água, energia elétrica, saneamento ou coleta de lixo, configurando uma situação de extrema vulnerabilidade. Nesses locais, pessoas ou famílias podem fixar moradia, adaptando o espaço às suas necessidades. Podem estar em áreas privadas como prédios ou casas abandonados, construções, acampamentos em áreas rurais ou em áreas públicas, como é o caso de barraca e tendas.

Unidades domésticas conviventes: 1.216.407

Quando há mais de uma família em um domicílio, essas famílias são chamadas de “famílias conviventes” pela Pnad.

Domicílios identificados como cômodo: 96.968

Pessoas que vivem em um cômodo, dividindo a residência com outras pessoas, como o caso das repúblicas e cortiços.

Domicílios identificados com ônus excessivo de aluguel urbano: 3.035.739

Para determinada parcela pobre da sociedade, o aluguel não é uma opção, diferentemente do que ocorre com alguns setores da classe média. A maior preocupação dessas famílias de mais baixa renda é não ter condição de continuar a pagar o aluguel e sofrer com a queda na qualidade da habitação.

Segundo o coordenador da pesquisa, Frederico Poley Martins Ferreira, um dos destaques do levantamento foi o impacto do alto custo dos aluguéis urbanos. Essa categoria do déficit passou de 2,814 milhões em 2016 para 3,035 milhões em 2019, respondendo por 52% do total do indicador. Entram nessa conta as moradias cujo custo de aluguel corresponde por mais de 30% da renda familiar.

Mulheres são as mais impactadas pelo déficit habitacional

Sobre a crescente participação feminina na responsabilidade dos domicílios característicos do déficit habitacional, a diretora de estatística e informações da Fundação João Pinheiro, Eleonora Cruz Santos, explicou que as mulheres são protagonistas neste contexto. Ou seja, a maioria dos domicílios, nesse recorte da pesquisa, tem como pessoa de referência uma mulher, o que, por si só, já indica a necessidade de desenvolvimento de políticas habitacionais específicas para esse tipo de público.

A diretora ainda completa que, no componente ônus excessivo com aluguel urbano, a quantidade de mulheres saltou de 1,588 milhão (56%) em 2016 para 1,887 milhão (62%) em 2019.  No componente “coabitação”, houve também um aumento da participação das mulheres. O percentual foi de 50% (2016) para 56% (2019).

Já a quantidade de residências que apresentam algum tipo de inadequação chega a mais de 24,8 milhões. Essa foi a primeira vez que esse dado foi consolidado na pesquisa da Fundação João Pinheiro. O indicador inclui características de infraestrutura urbana, como falta de abastecimento de água, de esgoto, de energia elétrica, de coleta de lixo, além de outras inadequações, como a falta de espaço de armazenamento, ausência de banheiro, cobertura e pisos inadequados, entre outros. O total de domicílios inadequados no país corresponde a 24,894 milhões.

Propostas para resolução dos problemas

Com esses entendimentos, podemos ter uma melhor compreensão do déficit habitacional e inadequação de moradias e assim nortear as políticas públicas habitacionais e de infraestrutura que contemplem especialmente os grupos mais vulneráveis de baixa renda. Algumas das propostas do Fórum Internacional de Habitação – Desafios e Oportunidades, que conta com representantes do Brasil, Coreia, Chile, França, México e Urugua,i visam soluções para essa questão. São elas:

Subsídio para moradia de aluguel

Muitas famílias não têm poder aquisitivo para comprar uma casa. Uma alternativa seria a moradia para aluguel com subsídios diretos. Essa estratégia tem múltiplos benefícios como maior flexibilidade para demanda e localização mais central dos imóveis.

Imóveis públicos vazios

Imóveis públicos desocupados constituem potencial oferta e oportunidade para desenvolver o mercado de locação, que poderia ser realizado se os incentivos corretos fossem oferecidos aos parceiros. São prédios que geralmente têm uma localização preferencial na cidade.

Aluguel com opção de compra

Proposta de combinação das vantagens do aluguel e da propriedade, canalizando parte do pagamento do aluguel para uma possível compra da unidade. A proposta facilita a mobilidade das famílias e evita os custos de transação associados à propriedade, oferecendo uma garantia de compra.

Melhorias habitacionais

O mercado está limitado em relação ao tamanho do desafio do déficit qualitativo brasileiro. Experiências internacionais e inovações brasileiras podem orientar as políticas públicas para revalorizar este mercado na agenda nacional.

Nesse contexto, o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, ressalta a importância do FGTS para obtenção de uma moradia no Brasil. “Hoje, mais do que nunca, é dia de lembrar a importância que tem o FGTS no País. Já que tentam mexer e até destruir a sua existência. Das cerca de 70 milhões de unidades habitacionais existentes, o Fundo de Garantia já contribuiu para a aquisição de cerca de 12 milhões desses imóveis. Sem o FGTS, nosso déficit habitacional seria 150% maior”,

Pandemia e aumento da desigualdade

Em 2021, o desemprego e a pandemia fizeram a extrema pobreza e a desigualdade social aumentarem no Brasil. Mais de 20 milhões de pessoas estão passando fome, ou seja, quase 10% da população brasileira está subalimentada. Este cenário indica que o país deve voltar a figurar na geopolítica da miséria, entrando para o Mapa da Fome.

Um estudo realizado pelo economista Robson Gonçalves, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), indica que o crescimento da população brasileira e a formação de novas famílias deve gerar uma demanda para mais 30,7 milhões de novos domicílios até 2030.

A situação aponta que é preciso iniciar e dar prioridade urgente à questão habitacional, já precária. No Brasil, 34 milhões de moradias não têm acesso a saneamento básico, o que representa 49,2% de todas as casas brasileiras. Outras 9,6 milhões de casas, que representa cerca de 48 milhões de pessoas, não têm acesso à água potável. 

A função social das propriedades rurais e urbanas deve nortear a igualdade de oportunidade de moradia para todas as classes sociais.