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Federações e o rearranjo partidário no Brasil
Henrique Cardoso Oliveira

Henrique Cardoso Oliveira

Cientista político na Fundação 1º de Maio

Federações e o rearranjo partidário no Brasil
Uma das inovações recentes dentro do ordenamento legislativo partidário brasileiro foi a adoção do instituto das federações partidárias

Uma das inovações recentes dentro do ordenamento legislativo partidário brasileiro foi a adoção do instituto das federações partidárias, o qual, como definido por sua lei de criação, ocorre quando “Dois ou mais partidos políticos poderão reunir-se em federação, a qual, após sua constituição e respectivo registro perante o Tribunal Superior Eleitoral, atuará como se fosse uma única agremiação partidária.” – Lei 14.208/2021.

Sumariamente, o surgimento das federações, como uma aliança político partidária, ocorre como alternativa política para que as agremiações possam, para além da união de suas forças políticas, superar a cláusula de desempenho estabelecida na Constituição Federal. Mas, antes de se aprofundar sobre o instituto das federações e seu impacto futuro ao sistema partidário brasileiro, faz-se necessária, antes, uma contextualização deste instituto e o cenário político partidário do país quando do seu surgimento.

Em decorrência das críticas vindas da sociedade ao pluripartidarismo no Brasil, que atingiu patamares de hiperpartidarismo em razão do elevado número de legendas registradas, e diante das consequências desse modelo, surgiram também iniciativas dentro do próprio establishment político para um formato partidário em que fosse reduzido o número de agremiações. Neste sentido, as reformas políticas de 2017 e 2021 trouxeram dispositivos legais com esse intuito de reformulação do nosso sistema partidário, a destacar:

  • Emenda Constitucional nº 97:
  • Fim das Coligações: a partir das eleições municipais de 2020 ficou determinada a vedação das coligações para as eleições proporcionais, cada partido passa a disputar o pleito individualmente não podendo mais somar forças políticas com demais agremiações;
  • Cláusula de Desempenho: instituiu exigências mínimas de votação aos partidos, de forma progressiva, até as eleições de 2030 para que tenham acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão. Em 2018, 14 dos 35 partidos existentes não alcançaram a cláusula; em 2022, 16 dos 28 partidos não alcançaram.

A Emenda Constitucional 97 foi um divisor de águas no tocante ao sistema partidário, as duas medidas impostas em seu texto – tanto o fim das coligações, quanto a cláusula de barreira – foram fatores cruciais para o rearranjo do tabuleiro partidário no Brasil. Basta salientar que, anteriormente à sua promulgação, o Brasil contava com um elevado número de partidos representados na Câmara dos Deputados e, na atual legislatura, esse número apresenta uma redução em comparação aos períodos anteriores à promulgação da Emenda.

Vale destacar, ainda, que dos 22 partidos representados na atual legislatura da Câmara dos Deputados, 16 não estão em uma federação. Ou seja, não havendo o instrumento da federação a representação partidária na Câmara seria ainda menor do que o quadro vigente.

Além da cláusula de desempenho e o fim das coligações, um terceiro mecanismo que surgiu e que acarreta também em um impacto no jogo político partidário foi a redução do número de candidaturas para as eleições proporcionais, a partir da lei nº 14.211/2021. Esta lei, surgida na mesma discussão da Reforma Eleitoral em que se instituíram as federações, estabelece que cada partido poderá lançar nas eleições proporcionais somente 100% das vagas em disputa acrescido de mais um. Anteriormente à essa lei, a legislação permitia que os partidos pudessem lançar candidatos 150% ou 200% acima do número de vagas em disputa – caso um partido lançasse o máximo de candidaturas permitidas para Deputado Federal, anteriormente à essa lei, seriam ao todo 826 candidatos. Com a mudança da legislação, o máximo de candidaturas que um partido poderá lançar será de 540, uma redução de 35%.

Todos estes elementos têm participação direta no processo de reformulação do sistema partidário brasileiro, objetivando principalmente a redução no quadro de legendas, em especial àquelas com representação no Poder Legislativo. Em meio a este cenário, as federações surgem como um mecanismo de sobrevida aos partidos para que continuem com representação política no Congresso Nacional e permaneçam peças importantes no tabuleiro político brasileiro. Como dito anteriormente, as federações são a união de dois ou mais partidos e que passam a atuar como uma única agremiação partidária. É importante, contudo, apontar algumas características fundamentais desse instrumento:

  • União de dois ou mais partidos;
  • Será preservada a identidade e autonomia de cada partido
  • Os partidos deverão permanecer unidos por, no mínimo, quatro anos
  • A federação terá abrangência nacional

Especificamente os dois últimos pontos têm sido o principal desafio para a realização das federações. Primeiramente, a união das agremiações por ao menos 4 anos invariavelmente acarreta na permanência do grupo ao longo de duas eleições, as majoritárias e as municipais, separadas por um intervalo de 2 anos. O fato de serem duas instituições, outrora distintas, agora unidas sob a mesma estrutura de federação pode, naturalmente, acarretar em conflitos políticos principalmente pela dinâmica das eleições, que são totalmente diferentes, seja pelas alianças previamente feitas por cada partido, seja pelos interesses próprios para seus respectivos projetos político partidários. 

O segundo desafio reside no caráter nacional das federações, ou seja, os partidos devem atrelar a união tanto na esfera nacional, quanto nas esferas estaduais e municipais. Nesse cenário reside outro desafio nesse xadrez político, uma vez que as direções dos partidos deverão equacionar questões regionais, por vezes até de posicionamentos antagônicos entre seus quadros, dentro de sua federação para que a união dos partidos venha a somar o coletivo e não enfraquecê-lo.

Seja como instrumento para sobrevivência partidária, seja como mecanismo de ampliação de força política, fato é que as federações são uma importante engrenagem no remodelamento do sistema partidário brasileiro. Seu instituto é uma ferramenta que, a cada eleição, torna-se cada vez mais essencial aos partidos. As medidas neste artigo citadas, como a cláusula de barreira e o fim das coligações, contribuem para que as federações sejam uma alternativa cada vez mais frequente no cenário político e eleitoral, cabendo, portanto, aos partidos o desafio de adequarem-se à nova realidade partidária do Brasil.